• Entrevista Com Fátima Mimbire


    Os Comités Nacionais da Iniciativa de Transparência na Indústria Extractiva (ITIE) de Angola e Moçambique realizaram, em Maputo, de 1 a 4 de Julho, a Semana de Intercâmbio. Integraram os dois Comités representantes do Governo, da indústria extractiva e representantes da sociedade civil, tendopassado em revista assuntos como a legislação aplicável à indústria extractiva, processos de outorga de direitos para o exercício da actividade mineira e petrolífera, a disponibilização e divulgação de informações, responsabilidade social, capacitação das comunidades, entre outros. Fátima Mimbire representa a Sociedade Civil na ITIE de Moçambique e concedeu-nosumaentrevistada em fala sobre a importância do intercâmbio entre os Comités (ITIE-ANGOLA e Moçambique), conhecimentos obtidos pelas partes e vantagens da implementação da Iniciativa de Transparência dos dois países.

    MIREMPET.GOV.AO: Que importância atribui a semana de interação entre os comitês da ITIE de Angola e de Moçambique?

    Fátima Mimbire (FM):Tem sido uma semana bastante produtiva, útil e de grande aprendizagem. Não só para os angolanos que vieram beber da experiência de mais de quinze anos de Moçambique, na implementação do ITIE, com onze relatórios já produzidos e em preparação o décimo segundo relatório, mas nós também estamos a aprender algumas boas práticas que Angola tem, alguns desafios que a Angola tem estado a lançar e que mostram que Moçambique pode fazer mais e melhor. Por exemplo, aprendemos sobre a implementação da ITIE em Angola que tem a possibilidade de fazê-lo de maneira diferente, com menos erros que Moçambique, contando com a experiências que Moçambique partilhou aqui, como é o caso da composição do grupo de coordenação.

    No que diz respeito à integração da sociedade civil, geralmente costuma ser um problema em todos os países que iniciam o processo de implementação, já que, às vezes, o Governo querer puxar muito para si a prerrogativa de identificar ou selecionar os membros da sociedade civil. Angola percebeu que não é esse o mecanismo e fê-lo de forma interessante, por via de concurso público e depois colocou as organizações selecionadas a escolherem entre si os que são efectivos e os suplentes.

    MIREMPET.GOV.AO: Como funciona a integração da sociedade civil em Moçambique na ITIE?

    FM:No caso moçambicano é diferente porque a sociedade civil tem uma consistência própria, representada através de duas plataformas que são especializadas na área da indústria extrativa e elas conduzem o processo autônomo, independente, onde selecionam, com base em termos de referência pré-determinados e, tendo em conta o padrão requisito da ITIE, selecionam os seus representantes que vão integrar o comité de coordenação. A plataforma faz uma carta a informar ao presidente do comité de coordenação que nomeou as fulano e sicrano para integrarem o comité para um mandato específico que em Moçambique são três anos e mais três anos renovados. Portanto, é um processo que acho que Angola fez de maneira até muito mais interessante do que nós.

    MIREMPET.GOV.AO:Que experiencias o comité angolano pode colher de Moçambique?

    FM:Moçambique já tem uma experiência muito vasta sobre a produção de relatórios. São mais de dez produzidos e há um entrosamento muito grande das instituições e das empresas que começam a compreender a importância de participar deste processo da ITIE. Continuamos a ter desafios de algumas empresas que não colaboram e também de algumas empresas que, colaborando, não dão informação que permita dar qualidade ao relatório. As análises independentes da sociedade civil têm mostrado essas discrepâncias em alguns reportes das próprias empresas. Também notamos que do lado do Governo existe um pouco de resistência para fazer as reformas necessárias, de modo a assegurar que a colecta de dados e a disponibilização de informação seja efetiva e reflita a realidade daquilo que se pretende reportar, sobretudo no que diz respeito ao volume de impostos que são pagos pelas empresas, a questão dos dividendos que são pagos pelas empresas públicas, os volumes de produção, a questão dos minerais, o emprego, a questão ambiental que hoje se torna em um requisito muito importante, porque é preciso começar a tornar transparente a avaliação do impacto ambiental por um lado, mas sobretudo os estudos e as acções de mitigação ambiental. Portanto, a implementação dos planos de gestão ambiental feita não só pelas empresas, mas também pelas instituições públicas e todo o investimento e esforço que estão a ser feitos para o processo de fecho de minas.

    MIREMPET.GOV.AO: Quais são critérios que passam para o processo de o fecho de uma mina, por exemplo?

    FM:O fecho de minas não ocorre no momento em que as operações cessam. É um processo que se prepara desde o início das operações e, no caso do moçambicano, é diferente do que ocorre em Angola. Angola pode explorar um pouco mais do lado do moçambicano. Por exemplo, a nossa legislação mineira e petrolífera prevê que as empresas façam uma caução inicial num fundo para o fecho ou desmobilização e anualmente eles vão fazendo depósitos que são acordados entre o Governo e as empresas numa conta específica que pode ser auditada. É aqui que nós chamamos para a necessidade, em sede de relatórios da ITIE, de incluirmos esta informação, porque queremos acompanhar e monitorar, até porque existem estudos interessantes da Universidade de Queensland da Austrália, um país bastante mineiro, que mostrou que bilhões de dólares que as empresas fizeram poupanças ou caução para o fecho de minas não eram suficientes no contexto actual, por causa dos custos que daí advêm. Compare um contexto de poupar e ainda assim não ser suficiente porque os custos são mais altos e nós que não fazemos a adequada poupança.

    No modelo angolano os valores de poupança vão para a CUT e o dinheiro na CUT, tanto em Angola como em Moçambique, vai para financiar o Orçamento do Estado. Uma vez usado, significa que o Estado mais tarde vai ter que fazer esforços para repor aquele valor para o fecho da mina ou vai ter que fazer alguma ginástica para isso seja feito. Achamos que a Angola pode progredir para uma situação de um fundo específico onde cada empresa, para cada projeto, vai fazer a sua poupança que é monitorável numa regularidade que pode ser definida.

    MIREMPET.GOV.AO: Diga-me: para chegar a esse nível de conhecimento, de competência, para além do seu esforço, de suas investigações, faz-me crer que a sociedade civil moçambicana teve um percurso a fazer. Eu gostava que me dissesse que desafios é que tiveram?

    FM:Bom, como sociedade civil, talvez é importante contar esse histórico que pode ser útil até para Angola. Quando Moçambique decidiu aderir à ITIE, a sociedade civil já se estava a especializar na área da indústria extrativa e o debate sobre oboomdos recursos de Moçambique já tinha iniciado e as organizações da sociedade civil já estavam a trabalhar nessa área e de forma muito especializada. É preciso mencionar isso. Nessa altura,algumas organizações já integravam uma coligação internacional que se chama"Publish What You Pay”. Continuamos a integrar esse grupo e esperamos que os angolanos possam também juntar-se à"Publish What You Pay”, se ainda não se juntaram, porque achamos que é um mecanismo através do qual nós beneficiamos de uma troca de experiências com vários países. Estão lá quase todos os países do mundo. Temos a oportunidade de aprender de outros países, várias formações são oferecidas e tivemos a oportunidade de beneficiar delas, seja sobre como compreender o sector extractivo, como é que funciona, quais são as grandes questões, as temáticas de debate, e preocupações. Depois, quando veio a discussão sobre a transparência dos contratos, nós também entrámos e beneficiámos de informações sobre questões de como ler um contrato. Ao nível, por exemplo, fui fazer um MBA em gestão de negócios de petróleo e isso deu-me uma maior visão sobre o sector. Beneficiei de uma formação na "Columbia University” sobre a questão da governação, a economia do sector extrativo e várias outras formações que foram organizadas por organizações que integram a"Publish What You Pay”. Enquanto sociedade civil, também fomos organizando ao nível nacional algumas formações que beneficiaram várias organizações da sociedade civil baseadas em Maputo e nas demais províncias.

    MIREMPET.GOV.AO: De que forma foram envolvidas as comunidades neste processo?

    FM:É muito interessante isso. Trabalhámos na capacitação desta franja social e hoje temos comunidades que se organizam em plataformas para lutarem e defenderem os seus próprios interesses. Portanto, até algumas dessas comunidades integram as nossas plataformas, significando que as nossas plataformas não são compostas apenas por organizações da sociedade civil, mas também por grupos de cidadãos de comunidades ricas em recursos que entram e têm acesso a um conjunto de informações e conhecimento que lhes permite participarem de forma informada e activa no processo de gestão. Em relação ao processo conduzido por Moçambique até aqui, foi uma luta muito grande. No início havia muita desconfiança entre a sociedade civil e o governo, entre a sociedade civil e as empresas. Havia muitas clivagens, era difícil ter uma conversa que terminasse em consenso. Compreender daquilo que é o padrão ITIE, o porquê que ele existe, o que ele visa, a intervenção do próprio secretariado internacional ajudou a fazer compreender todas as partes qual era o nosso papel neste fórum. Portanto, o ITIE criou uma plataforma, visto que tínhamos apenas os observatórios de desenvolvimento que incluíam somente o governo e a sociedade civil. Hoje temos uma plataforma que inclui o Governo, a sociedade civil e um ente privado que são as empresas e todos nós sentamos para discutir os desafios, apontar os problemas, mas em conjunto também buscarmos soluções para melhorar. Então, como sociedade civil, o primeiro embate foi na própria composição, porque o Governo, no início, identificou um grupo de organizações e achou que essas representavam a sociedade civil, então tivemos que fazer advocacia, isso resultou na alteração dos termos de referência, o comité de coordenação e a sociedade civil passaram a ter autonomia, o sector privado também passou a ter autonomia para indicar os seus próprios membros. Isso foi um avanço muito grande e foi a partir daqui que conseguimos começar a ter um comité de coordenação mais técnico, mais especializado, mais maduro para aquilo que era um desafio do país. É verdade que continuamos a ter alguns problemas porque a sociedade civil tem uma expectativa muito mais alta, mas o Governo tem sempre as suas reservas, as empresas também têm sempre as suas reservas, entãoé um processo negocial constante, regulare é por isso que enquanto integramos o processo de produção do relatório também fazemos as análises autónomas, que ajudam até a informar os próximos relatórios do ITIE. Estas questões, por exemplo, de qualidade de dados, discrepâncias de informação, têm sido apresentadas pela sociedade civil e o consultor independente que é contratado para fazer os relatórios toma em consideração estas recomendações. Portanto,o ITIE é uma escola muito interessante.

    MIREMPET.GOV.AO: Para terminar, como classifica a ITIE?

    FM:A ITIE não pode ser visto como o fim em si. Tem que ser visto como uma base, apresentámos uma metodologia de trabalho e nós temos que pegar essa metodologia, adaptá-la ao nosso contexto e fazer o melhor para os nossos cidadãos, porque, no fim do dia,a ITIE visa garantir uma boa governação dos recursos e ao gerir bem os recursos estamos a beneficiar os nossos cidadãos e os nossos próprios países.Portanto, tem de ser um processo, um caminho, um instrumento, uma ferramenta e não um fim em si. Quando se faz um reporte é preciso saber que eu tenho que melhorar, o que é que tenho que reformar num sistema para ter uma governação que seja equitativa, transparente, justa e que seja conducente aos direitos humanos. Penso que é desta forma que devemos olhar para esta grande escola que é a ITIE.

    Muito obrigado!