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02 Janeiro de 2024

O MERCADO PETROLÍFERO, OS CENÁRIOS PARA 2024 E A SAÍDA DE ANGOLA DA OPEP

Artigo de opinião de Filomeno Manaças*, in Jornal de Angola de 29.12.2023.

Quase a findar o ano e quase em simultâneo, a Agência Internacional de Energia (AIE) e a Organização dos Países Exportadores de Petróleo (OPEP), divulgaram, este mês, os seus relatórios sobre a situação energética mundial e as perspectivas para 2024.

De acordo com a AIE, o continente americano está a crescer enquanto produtor de petróleo e já superou a região do Médio Oriente, que era, até bem pouco tempo, a principal fonte mundial de abastecimento de crude, com a Arábia Saudita, os Emirados Árabes Unidos, Kuwait, Iraque e Irão (todos membros da OPEP) a destacarem-se.

O relatório da AIE indica que, incluindo em matéria de derivados, a América já produz mais do que todos os países da OPEP, que controlava 40 por cento da produção mundial de petróleo em 2006 e, actualmente, apenas um terço (31 por cento).

Entre os principais países produtores de petróleo da América a AIE aponta os Estados Unidos, o Canadá, o México, o Brasil e a Guiana, que, juntos, produzem 34 milhões de barris de petróleo e derivados por dia.

Fazendo uma retrospectiva, o relatório da AIE revela que a produção nos Estados passou de sete milhões de barris por dia em 2013 para mais de 13 milhões actualmente, com a perspectiva de, em pouco tempo, poder atingir os 15 ou 20 milhões de barris por dia. O Brasil, por seu turno, triplicou a sua produção, estando actualmente nos 3.5 milhões de barris de petróleo bruto por dia, e, de acordo com projecções da Vinci Partners, baseadas nos trabalhos que estão a ser feitos na Foz do Amazonas e na Margem Equatorial, o país pode saltar, em 2029, de nono para quarto maior produtor mundial de petróleo (com 5.4 milhões de barris/dia), ombreando com o Canadá e atrás dos Estados Unidos, Arábia Saudita e Rússia.

A Guiana é um actor recente e divide, com o Brasil e Suriname, a bacia na Margem Equatorial, tendo, do conjunto de trabalhos já realizados, descoberto uma reserva calculada em 11 biliões de barris de petróleo.

Quer o Brasil quer a Guiana e o Suriname advogam a necessidade de avançar para a exploração de petróleo como forma de obter receitas para sustentar a transição energética e impulsionar o desenvolvimento económico. Para o Director-geral da Agência Nacional de Petróleo e Gás do Brasil, Rodolfo Saboia, "esta é a última grande janela de oportunidade. Com a transição energética, se não oferecermos esses activos agora, correremos o risco de deixar recursos no solo”.

No contexto da produção de petróleo no continente americano, é preciso não esquecer a Venezuela, que possui as maiores reservas comprovadas do mundo de crude. Em Outubro os Estados Unidos anunciaram a suspensão temporária das sanções ao petróleo, gás e ouro venezuelanos, na sequência do acordo alcançado entre o Governo de Nicolás Maduro e a oposição para as presidenciais de 2024.
As motivações para o impulso na produção de ouro negro norte-americano, que em 2024 deverão contemplar também investimentos na ordem de biliões de dólares para a exploração do chamado petróleo de xisto, são por demais conhecidas. Os Estados Unidos precisam de: 

- fazer baixar o custo da energia, que é a principal causa de inflação e um grande embaraço às pretensões de reeleição de Joe Biden nas presidenciais de Novembro do próximo ano;
- colocar as petrolíferas norte-americanas a ocupar, no mercado europeu - e em particular o alemão, que acusou de forma mais acentuada a ruptura -, o espaço deixado em aberto com o corte verificado no fornecimento de petróleo e gás russo;
- ter poder (e já o ganharam) para influenciar os preços do petróleo a nível mundial e impor, ao mercado petrolífero, a dinâmica/tendência que mais lhe convenha, tendo em conta o seu esforço de guerra na Ucrânia, que, de acordo com posições tornadas públicas, deverá estender-se até finais de 2025.

No seu relatório - divulgado em Viena três dias antes (13.12) do da AIE (19.12) - a Organização dos Países Exportadores de Petróleo (OPEP) assume-se "cautelosamente optimista sobre os fundamentos que afectarão a dinâmica do mercado petrolífero em 2024”. Nele a OPEP prevê que "o consumo mundial de petróleo bruto em 2024 seja de 104,36 milhões de barris por dia, mais 2,2% do que este ano, uma estimativa inalterada em relação ao relatório do mês de Novembro. A organização estima ainda que, no próximo ano, "a procura de petróleo seja apoiada por um crescimento resiliente do Produto Interno Bruto (PIB) mundial, no contexto da actividade económica na China”.

É esperado que a economia chinesa venha a consumir mais 3,6% de petróleo do que em 2023, o segundo maior aumento a nível nacional, depois dos 4% da Índia. Nas contas da OPEP, China e Índia consumirão em conjunto 20% do total mundial, mais do que os Estados Unidos e mais do que todos os países ricos da Europa juntos.

Quanto à Europa, a OPEP prevê que o consumo se mantenha abaixo dos níveis anteriores à Covid-19, que teve início em 2020 e provocou uma forte quebra na procura de petróleo. Apesar das boas perspectivas de crescimento económico e de uma forte procura sustentada, a OPEP não deixa de realçar que existe "um vasto leque de incertezas que continuam a pairar sobre o mercado mundial do petróleo (…)”.

Essas incertezas estão ligadas, em particular, à possibilidade de, em 2024, poder ocorrer, no mercado petrolífero, uma maior oferta de petróleo do que a procura, tendo em conta principalmente a produção dos Estados Unidos, a que se junta(rá) a do Brasil, da Guiana, do Suriname e de outros pequenos produtores, como o Ghana. Estes últimos não querem perder a oportunidade de obter receitas para alavancar as suas economias.

Todo este cenário indica, sem margem para dúvidas, que os preços do crude vão registar uma baixa acentuada em 2024, podendo mesmo despencar dos actuais 77 dólares para níveis entre os 30 e 40 dólares por barril.

Feita esta exposição, torna-se fácil compreender a decisão de Angola de se retirar da OPEP. Primeiro, porque, em conformidade com o Plano de Desenvolvimento Sectorial 2023-2027 do Ministério dos Recursos Minerais, Petróleo e Gás angolano, foi traçada uma estratégia que visa manter a produção de petróleo acima de 1 milhão de barris/dia, por via da entrada em produção de novas oportunidades (entenda-se novos poços, novos blocos) e optimização dos que estejam em declínio de produção.
Segundo, porque essa estratégia inscreve a oferta permanente de blocos, a promoção e negociação permanente de blocos licitados não adjudicados, de áreas livres em blocos concessionados e concessões atribuídas à concessionária nacional, de modo a expandir a produção.

Terceiro, porque estar amarrado à quota de produção de um milhão e 110 mil barris por dia fixado pela OPEP seria bloquear a aplicação dessa estratégia e, consequentemente, deitar por terra todo um esforço que vem sendo desenvolvido desde 2018.

Quarto, porque uma baixa dos preços do barril vai obrigar Angola a vender mais petróleo, que espera conseguir, para obter o mesmo volume de receitas que encaixa actualmente para sustentar o Orçamento Geral do Estado.

De tudo quanto foi dito, resta sublinhar que 2024 será um ano mais duro que 2023, porque espera-se uma baixa do preço do petróleo de forma sustentada, como resultado do confronto que se adivinha entre os Estados Unidos e a OPEP+, com poucas hipóteses de a operação levada a cabo pela Arábia Saudita em 2014 (inundação do mercado) - que obrigou ao recuo do petróleo de xisto norte-americano, devido aos elevados custos de produção -, poder, desta vez, resultar em algum sucesso. A OPEP+ é uma aliança formada pela OPEP, encabeçada pela Arábia Saudita, e produtores de petróleo não-OPEP, liderados pela Rússia, na sequência do encontro de 2016, realizado na Argélia.

* Com dados recolhidos da Seu Dinheiro, ClickPB, e jornaleconomico.sapo.pt.



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